A Lei nº 19.426/2025, que institui a nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Recife (LPUOS), representa uma conquista histórica da sociedade recifense e um marco no planejamento urbano da cidade, consolidando um modelo de desenvolvimento mais sustentável, inclusivo e resiliente.
Com sua sanção, o Recife dá um passo decisivo rumo à construção de uma Cidade Parque, em consonância com as diretrizes do Plano Diretor (Lei Complementar nº 02/2021) e do Plano Recife 500 Anos, preparando-se para o futuro e para seus 500 anos de história.
Elaborada sob a coordenação do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS) e da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento (SEDUL), com a participação de diversos órgãos municipais, a nova LPUOS integra o conjunto de instrumentos que compõem o Plano de Ordenamento Territorial do Recife (POT), iniciado em 2018.
Marco regulatório e fundamentos
A LPUOS define as regras urbanísticas de parcelamento, uso e ocupação do solo no território municipal, detalhando:
- a subdivisão de zonas urbanísticas em setores, com base em suas especificidades e estratégias de desenvolvimento;
- as normas para parcelamento, edificação e uso dos lotes e espaços públicos, assegurando equilíbrio entre áreas privadas, áreas verdes e equipamentos coletivos;
- as condições para instalação e funcionamento das atividades urbanas;
- os parâmetros de edificação adequados a cada zona e setor;
- e as ferramentas de indução ao desenvolvimento urbano sustentável.
Esses elementos constituem um marco regulatório essencial para a efetivação das diretrizes do Plano Diretor, orientando o crescimento equilibrado da cidade e assegurando qualidade de vida, inclusão social e proteção ambiental.
A revisão da legislação urbanística tornou-se necessária diante da obsolescência das leis anteriores – a Lei nº 16.286/1997 (Parcelamento do Solo) e a Lei nº 16.176/1996 (Uso e Ocupação do Solo) – editadas ainda na década de 1990. Desde então, o contexto urbano, ambiental e legal se transformou profundamente, com a promulgação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), da Lei Federal nº 13.465/2017 e com a aprovação de novos Planos Diretores, culminando na Lei Complementar nº 02/2021, atualmente em vigor.
Processo participativo e construção coletiva
A nova LPUOS é fruto de um amplo processo participativo e democrático, que envolveu a sociedade civil, universidades, entidades profissionais, organizações sociais e o setor produtivo, no âmbito do Conselho da Cidade do Recife (CONCIDADE).
O processo teve início em 2018, concomitantemente à revisão do Plano Diretor, com oficinas, reuniões temáticas e atividades da Câmara Técnica de Planejamento, Controle Urbano e Meio Ambiente (CT Planejamento).
Apesar da interrupção em 2020 devido à pandemia, os trabalhos foram retomados em 2025, com a coordenação técnica do ICPS e a realização de um extenso calendário de participação popular:
- 8 reuniões da CT Planejamento do CONCIDADE (entre março e maio de 2025), com a incorporação de 761 das 1.521 propostas apresentadas;
- Audiência pública realizada em 8 de abril de 2025, no Teatro do Parque, com 206 participantes;
- 12 reuniões públicas temáticas com entidades representativas, como PREZEIS, UFPE, UNICAP, SINDUSCON/ADEMI, OAB-PE, IAB-PE, CAU-PE e CREA-PE;
- 2 oficinas públicas de imersão no conteúdo da proposta;
- Consulta pública online, no site do CONCIDADE, que reuniu 1.824 contribuições da população.
No total, foram recebidas mais de 1.500 sugestões, das quais mais de 700 foram incorporadas ao texto final, consolidando um processo exemplar de diálogo e construção coletiva.
Avanços e conquistas consolidadas
A Lei nº 19.426/2025 consolida importantes avanços urbanísticos e sociais, refletindo as demandas apresentadas durante o processo participativo. Entre as principais conquistas, destacam-se:
a) criação de 16 novas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) 1 e a ampliação de duas, em atendimento ao pleito do Fórum do PREZEIS e das comunidades envolvidas, com o assessoramento da UFPE;
b) instituição de 15 (quinze) Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH) e a ampliação de 23 (vinte e três), com base nos estudos desenvolvidos pela equipe técnica da Prefeitura do Recife, atendendo a pleitos da sociedade civil e acadêmica;
c) simplificação das condições para instalação e funcionamento de atividades econômicas, visando a dirimir/mitigar/compensar possíveis impactos causados, atendendo aos setores produtivos;
d) adoção de instrumentos e mecanismos que contribuam com a implementação da Política Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS), com o intuito de diminuir o déficit habitacional e, ao mesmo tempo, ofertar condições de moradia às pessoas que aqui trabalham;
e) maior interação entre os lotes e as áreas públicas, propiciando fruição pública, arborização, melhor convivência e segurança social;
f) adoção de parâmetros e de qualificadores ambientais para mais conforto ambiental e melhores condições climáticas;
g) planejamento territorial adequado, em especial, para oferta de espaços públicos e comunitários à população da cidade;
h) incentivo à instalação de usos mistos, priorizando o uso habitacional nas áreas dotadas de maior infraestrutura urbana, notadamente saneamento e mobilidade, e com maiores oportunidades de emprego e renda, empreendedorismo e de desenvolvimento de negócios em geral, objetivando a redução do tempo de circulação das pessoas e de emissão de gases de efeito estufa, adotando o conceito de Cidade Compacta, Conectada e Coordenada.
Articulação com o Plano de Ordenamento Territorial
A sanção da LPUOS encerra o ciclo de revisão do Plano de Ordenamento Territorial (POT) iniciado em 2018, que também deu origem a instrumentos urbanísticos hoje em plena aplicação, como:
- Outorga Onerosa do Direito de Construir (Lei nº 18.900/2022);
- Transferência do Direito de Construir (Lei nº 18.901/2022);
- Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (Lei nº 18.966/2022);
- Estudo de Impacto de Vizinhança (Lei nº 19.177/2023).
Trata-se, portanto, de um novo arcabouço urbanístico para o Recife, coerente com as diretrizes do Plano Diretor e com o compromisso de tornar a cidade mais justa, verde e acessível.
Marco histórico para o urbanismo recifense
A Lei nº 19.426/2025 é a primeira Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo debatida e aprovada no âmbito do CONCIDADE, coroando o trabalho dos conselheiros eleitos na 6ª Conferência da Cidade (2016) e concluindo o ciclo participativo antes da realização da 7ª Conferência (junho de 2025).
O CONCIDADE reafirmou-se como espaço institucional de participação e controle social, responsável não apenas pela revisão da LPUOS, mas também pela consolidação de políticas e instrumentos que redefinem o planejamento urbano do Recife para as próximas décadas.